BOIS BRANCOS E GALOS
Eu sei que não é nada inteligente e até meio embaraçoso, mas como não
tinha energia hoje e eu não pude ligar a TV, fui ler um pouco na varanda. Eu
devia morar num lugar onde, além de não ter telefone ou internet, não pudesse assistir
TV. Acho que minha vida ficaria muito melhor assim. Alguém pode até argumentar que eu
tenho a escolha de não ligar a TV e ir fazer outra coisa qualquer, mas o apelo
de passar horas em frente a uma caixinha iluminada sem ter que pensar em nada é
muito atraente para mim. É como uma garrafa de pinga para quem é alcoólatra e
quer esquecer um amor. A TV me ajuda a esquecer de pensar e isso chega a ser um
descanso, um alívio.
Sem TV, sento na varanda, leio um pouco e depois fico olhando em volta.
Aí vem a vontade de responder ao apelo da paisagem e escrever.
Os bois brancos em cima do monte ficam ainda mais brancos com o sol da
tarde sobre seus lombos. Eles estão lá, existindo mansamente, sem saber, mas
esperando a hora de serem abatidos. Não sei se eles pensam alguma coisa
enquanto mastigam o capim, se ficam afeiçoados aos companheiros de manada, se
apreciam a paisagem, o céu azul, o barulho da corredeira. Eu os vejo daqui da
varanda e eles me transmitem paz. Vão morrer um dia, como eu e todos os que amo.
Vão morrer como aqueles que eu amava e que há tão pouco tempo me deixaram.
A morte anda me rondando. Ela às vezes anuncia e às vezes pega de
surpresa. Levou embora meu pai, minha mãe, meus parentes e amigos chegados e
ainda fica fazendo ameaças durante as horas de insônia, dizendo que eu também
mereço ir logo porque não estou dando conta de viver como devia.
O galo não para de cantar. São duas da tarde, mas ele não tem hora.
Canta alto o tempo todo. Hoje, alguém disse que desse jeito, ele vai acabar na
panela. Mas eu o defendi. Argumentei que seu único pecado era cantar demais.
Não acho que isso seja motivo pra gente comer o galo com macarrão. Deixa pra
matar os valentões que brigam com os pintinhos e as galinhas sem deixá-los
chegar no milho. Esses eu condeno à morte sem dó.
Quem me condenou à morte não o fez porque eu brigo demais ou porque
canto na hora errada. Quem me condenou à morte o fez quando eu nasci, um bebê
bonitinho e indefeso, dando um grito ao encher os pulmões pela primeira vez.
Antes de me condenarem a morrer, deixaram que eu visse a morte daqueles que
amo. Condenaram-me a dizer adeus. Condenaram-me a passar dias calada,
sem ter o que dizer de bom. Tem dias em que a gente nem consegue conversar com
Deus, só clamar por socorro e nada mais.
Estamos todos condenados – eu, os bois e os galos. Por isso preciso
deixar de pensar, assim como fazem os bois branquinhos em cima do morro
verde. A luz do sol sobre eles
me dá esperança. Seres condenados como eu, brilhando em contraste com o céu
azul.