Despindo a Árvore
Muita gente deixa para desfazer a árvore de
Natal no Dia de Reis, 6 de janeiro. Eu não tenho um dia específico para fazer
isso. Gosto de guardar tudo assim que o Ano Novo começa, exercitando minha
necessidade, quase compulsiva, de arrumar, organizar, começar de novo.
Pela primeira vez, depois de ter perdido pai e
mãe, resolvi chamar para o meu lado a responsabilidade de fazer o Natal
acontecer em minha família. Comprei árvore grande, bolinhas de diversos
tamanhos e modelos, luzes e outros enfeites. Decidi que assumiria com esforço o
papel de meus pais, fazendo do Natal um momento especial para ficarmos juntos,
celebrarmos o nascimento de Jesus, trocarmos presentes e deixar a emoção
chegar, olhando as luzes piscando na árvore toda enfeitada.
Meu pai era o guardião da árvore de Natal em
nossa casa. Ele montava tudo pacientemente. Na véspera de Natal, todos nós
deixávamos nossos sapatos ao pé da árvore. Pela manhã, minha mãe se levantava
silenciosamente e ia ao quarto onde ficava o piano. Ela então tocava um hino de
Natal: Povos, cantai! Jesus nasceu! À
Terra, a luz desceu!... Nós deixávamos a cama depressa e íamos correndo ver
os presentes colocados debaixo do nosso sapato. Isso aconteceu regularmente,
enquanto meus pais moraram na mesma casa, por mais de 50 anos.
Não conseguiria descrever a emoção que sempre
senti, mesmo depois de adulta, ouvindo o piano que me acordava na manhã do
Natal. Minha mãe já estava idosa, enxergava mal, mas tocava o hino mesmo assim,
por insistência minha.
O tempo passou, meus pais se foram, aquela casa
não é mais o nosso lar. Por isso, tomei as rédeas da situação e transferi o
Natal oficialmente para minha casa. Quando fui montar a árvore, meu marido me
disse que havia uma caixa de papelão guardada no seu quarto de ferramentas e
que ele achava que dentro dela estavam os enfeites de Natal da árvore do meu
pai. Fiquei sem fôlego com a notícia.
Para minha grata surpresa, estava tudo lá.
Bolinhas de Natal que eu reconhecia dentro das memórias da minha infância. Os
enfeites que meus pais compraram quando viajaram para os Estados Unidos, em 1981.
Sininhos que eu tinha comprado quando ainda era solteira e morava com meus
pais. Tudo em perfeito estado, aguardando dentro da caixa para fazer parte de
um Natal feliz outra vez.
Coloquei todos os enfeites, novos e antigos, na
árvore de Natal. Pedi ao meu marido que fizesse as honras, colocando a estrela
no topo da árvore. Olhei de longe, olhei de perto, deixei as lágrimas rolarem
de emoção quando as luzes foram acesas.
Fiquei horas na cozinha, fiz muita comida, arrumei
tudo, recebi a família e tive o Natal que esperava. Cantei, chorei e,
principalmente, sorri muito. Foi um Natal como eu queria fazer acontecer.
Hoje, depois da celebração do Ano Novo, chegou
o dia de despir a árvore. Fui tirando enfeite por enfeite e, de repente, me
senti como quem colhe frutos. Perguntei pra mim mesma: que frutos são estes? O
que estou colhendo aqui?
Eu colho da árvore os frutos de um passado
feliz. Eu ponho nas mãos os enfeites que estão imantados de afeto e boas
lembranças. Eu retiro cada um com cuidado enquanto tenho uma deliciosa sensação
de que me reconheço neles, de que sei quando começaram a fazer parte dos meus
natais e de tudo que já vivi. Eu seguro delicadamente os enfeites antigos e
sinto o calor das mãos do meu pai, enquanto meus ouvidos insistem em me fazer
lembrar do som do piano me dizendo: A
Graça infinda ao mundo vem, na Gruta de Belém, na Gruta de Belém!