quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Despindo a Árvore

Muita gente deixa para desfazer a árvore de Natal no Dia de Reis, 6 de janeiro. Eu não tenho um dia específico para fazer isso. Gosto de guardar tudo assim que o Ano Novo começa, exercitando minha necessidade, quase compulsiva, de arrumar, organizar, começar de novo.
Pela primeira vez, depois de ter perdido pai e mãe, resolvi chamar para o meu lado a responsabilidade de fazer o Natal acontecer em minha família. Comprei árvore grande, bolinhas de diversos tamanhos e modelos, luzes e outros enfeites. Decidi que assumiria com esforço o papel de meus pais, fazendo do Natal um momento especial para ficarmos juntos, celebrarmos o nascimento de Jesus, trocarmos presentes e deixar a emoção chegar, olhando as luzes piscando na árvore toda enfeitada.
Meu pai era o guardião da árvore de Natal em nossa casa. Ele montava tudo pacientemente. Na véspera de Natal, todos nós deixávamos nossos sapatos ao pé da árvore. Pela manhã, minha mãe se levantava silenciosamente e ia ao quarto onde ficava o piano. Ela então tocava um hino de Natal: Povos, cantai! Jesus nasceu! À Terra, a luz desceu!... Nós deixávamos a cama depressa e íamos correndo ver os presentes colocados debaixo do nosso sapato. Isso aconteceu regularmente, enquanto meus pais moraram na mesma casa, por mais de 50 anos.
Não conseguiria descrever a emoção que sempre senti, mesmo depois de adulta, ouvindo o piano que me acordava na manhã do Natal. Minha mãe já estava idosa, enxergava mal, mas tocava o hino mesmo assim, por insistência minha.
O tempo passou, meus pais se foram, aquela casa não é mais o nosso lar. Por isso, tomei as rédeas da situação e transferi o Natal oficialmente para minha casa. Quando fui montar a árvore, meu marido me disse que havia uma caixa de papelão guardada no seu quarto de ferramentas e que ele achava que dentro dela estavam os enfeites de Natal da árvore do meu pai. Fiquei sem fôlego com a notícia.
Para minha grata surpresa, estava tudo lá. Bolinhas de Natal que eu reconhecia dentro das memórias da minha infância. Os enfeites que meus pais compraram quando viajaram para os Estados Unidos, em 1981. Sininhos que eu tinha comprado quando ainda era solteira e morava com meus pais. Tudo em perfeito estado, aguardando dentro da caixa para fazer parte de um Natal feliz outra vez.
Coloquei todos os enfeites, novos e antigos, na árvore de Natal. Pedi ao meu marido que fizesse as honras, colocando a estrela no topo da árvore. Olhei de longe, olhei de perto, deixei as lágrimas rolarem de emoção quando as luzes foram acesas.
Fiquei horas na cozinha, fiz muita comida, arrumei tudo, recebi a família e tive o Natal que esperava. Cantei, chorei e, principalmente, sorri muito. Foi um Natal como eu queria fazer acontecer.
Hoje, depois da celebração do Ano Novo, chegou o dia de despir a árvore. Fui tirando enfeite por enfeite e, de repente, me senti como quem colhe frutos. Perguntei pra mim mesma: que frutos são estes? O que estou colhendo aqui?
Eu colho da árvore os frutos de um passado feliz. Eu ponho nas mãos os enfeites que estão imantados de afeto e boas lembranças. Eu retiro cada um com cuidado enquanto tenho uma deliciosa sensação de que me reconheço neles, de que sei quando começaram a fazer parte dos meus natais e de tudo que já vivi. Eu seguro delicadamente os enfeites antigos e sinto o calor das mãos do meu pai, enquanto meus ouvidos insistem em me fazer lembrar do som do piano me dizendo: A Graça infinda ao mundo vem, na Gruta de Belém, na Gruta de Belém!