Panos Brancos ao Sol
Hoje, o sol de outono brilhou e deixou o céu
sem nuvens. Dia perfeito para exercitar uma a mais das minhas loucuras. Em dias
assim, se tenho tempo, tiro os panos de prato que estão um pouco amarelados da
gaveta e lavo todos, deixando de molho e depois quarando ao sol. Faço o mesmo
com os paninhos bordados e de crochê que herdei de minha mãe.
Meu varal fica lindo, com todos aqueles panos
brancos dançando com o vento! Não sei ao certo a razão, mas para mim, este é um
ritual de pura alegria e paz.
Talvez tenha herdado este sentimento por ser
bisneta de lavadeira. Minha bisavó Mariquinha era uma açoriana que veio sozinha
para o Brasil aos quinze anos. Nunca entendi tanta coragem, mesmo sabendo que
ela estava fugindo de uma vida difícil, sem mãe e tendo que enfrentar o medo
que todo açoriano experimenta quando tem o chão tremendo debaixo dos pés por
causa dos vulcões.
Não posso dizer que sei o que é ter o chão
tremendo debaixo dos pés, a menos que seja figurativamente, em uma ou duas
situações durante toda a minha vida. Ela, por sua vez, deixou um solo instável
por outro, viajando de navio para o Brasil, sem saber o que ia encontrar por
aqui. Lavadeira e viúva ainda nova, ela criou muitos filhos com seu trabalho. Construiu
casa, viveu com dignidade e seu nome foi dado à rua onde morou em Petrópolis: Rua
Maria José Janiques. Não era nobre, política ou rica, mas a lavadeira virou
nome de rua. Deve ter marcado de alguma forma o lugar onde viveu.
Minha bisavó foi a única avó que conheci. Ajudou
a cuidar de mim quando era bebê e cantava cantigas portuguesas para eu dormir.
Morreu velhinha, sem nunca ter se consolado da dor de viver mais do que
Guiomar, sua filha e mãe de meu pai. Ela deixou uma herança impalpável. Deixou
o perfume doce de sua presença e o exemplo de força e coragem.
Meus panos de prato são bandeiras ao vento,
mostrando com orgulho, para mim mesma, que também sei lavar roupas, que
sobrevivi ao terreno instável da vida, que também tive coragem de olhar o porto
e me lançar em jornadas difíceis e arriscadas para lugares desconhecidos.
Os panos voltam para a gaveta, branquinhos.
Quem me vê mais de perto jura que eu estou maluca por gostar tanto desse
ritual. Eu mesma não tenho certeza sobre a minha sanidade mental. Mas sei que
panos de prato no varal possuem um significado que vai além do que os outros
podem ver. Eles talvez façam parte daquela verdade eterna, daquele sentido
profundo que existe no subterrâneo da existência humana. Eles talvez sejam
mesmo as minhas bandeiras celebrando uma vida que vai além do que posso
explicar.