terça-feira, 16 de agosto de 2016

Sono da Alma

Com a preguiça de todos os gatos, minha gatinha dorme na cadeira de balanço. Eu fico de longe observando seu conforto sobre um cobertor velhinho que eu coloquei ali para ela. Para testar sua dedicação, eu chamo seu nome suavemente. Quero ver se ela acorda com minha voz e deixa de lado o conforto quentinho para vir ficar perto de mim nesse dia frio. Para minha surpresa, ela acorda e vem. Fica me rodeando, passando a cabeça por minhas pernas, dando sinal de presença e pedindo carinho.
No meu conforto e preguiça, também ouço Deus me chamar de vez em quando. Eu abro os olhos da alma, mas depois eu fecho, me acomodando e esquecendo de que Ele está ali, querendo falar comigo. Minha alma rebelde quer ficar de olhos fechados, alienada, sem interagir com algo tão grande, tão superior a ela. Eu sou humana, mortal, cheia de incoerências. Isso me lembra dos Cânticos de Salomão e me vejo como a amada deitada na cama, com preguiça de abrir a porta para seu amado que está do lado de fora em uma noite fria.
Por vezes, minha preguiça se disfarça em ativismo. Pego a roupa lavada pra pendurar, dobro o que está seco, termino o almoço. A voz continua me chamando baixinho, mas eu desvio a atenção de todo jeito. Mesmo assim, a voz insiste. Ela me chama no vento, no canto dos passarinhos, no barulho da corredeira. Ela chama por meu nome. Ela chama por minha alma terrena e mortal.
Depois de relutar bastante, sento quieta no escritório e começo a ler um Salmo que me diz: Confia! Descansa! Entrega! Então, para minha surpresa, vejo que a intenção da voz não era cobrar ou repreender.  O chamado era por carinho, intimidade, proximidade.
Quem me dera chegasse logo o tempo em que fosse natural atender à voz de Deus, abrir a porta, confiar, descansar, me entregar!  Eu sou pequena, vulnerável e tenho medo. Fico perdendo tempo pensando sobre o mal. Deixo que as más notícias desviem meu olhar e me façam esquecer o quanto tenho para agradecer. Permito que pensamentos de ira e indignação invadam meu discurso. No entanto, o convite que a doce voz me faz é para ter esperança, para crer que um dia, vamos olhar em volta e ver que o mal já não está mais lá.

Eu me aconchego nas palavras do Salmo, escrevo para Deus o que sinto e volto a me sentir em casa. Ele está aqui, observando o sono de minha alma, me chamando suavemente. Ele me chama e eu venho para perto. Neste dia frio, tudo que minha gatinha mais quer de mim é carinho. Na frieza da dor de viver, acho que também é isso que minha alma pequena mais quer de Deus.