Sono da Alma
Com a preguiça de todos os gatos, minha gatinha
dorme na cadeira de balanço. Eu fico de longe observando seu conforto sobre um
cobertor velhinho que eu coloquei ali para ela. Para testar sua dedicação, eu
chamo seu nome suavemente. Quero ver se ela acorda com minha voz e deixa de
lado o conforto quentinho para vir ficar perto de mim nesse dia frio. Para
minha surpresa, ela acorda e vem. Fica me rodeando, passando a cabeça por
minhas pernas, dando sinal de presença e pedindo carinho.
No meu conforto e preguiça, também ouço Deus me
chamar de vez em quando. Eu abro os olhos da alma, mas depois eu fecho, me
acomodando e esquecendo de que Ele está ali, querendo falar comigo. Minha alma
rebelde quer ficar de olhos fechados, alienada, sem interagir com algo tão
grande, tão superior a ela. Eu sou humana, mortal, cheia de incoerências. Isso
me lembra dos Cânticos de Salomão e me vejo como a amada deitada na cama, com
preguiça de abrir a porta para seu amado que está do lado de fora em uma noite
fria.
Por vezes, minha preguiça se disfarça em
ativismo. Pego a roupa lavada pra pendurar, dobro o que está seco, termino o
almoço. A voz continua me chamando baixinho, mas eu desvio a atenção de todo
jeito. Mesmo assim, a voz insiste. Ela me chama no vento, no canto dos
passarinhos, no barulho da corredeira. Ela chama por meu nome. Ela chama por
minha alma terrena e mortal.
Depois de relutar bastante, sento quieta no
escritório e começo a ler um Salmo que me diz: Confia! Descansa! Entrega!
Então, para minha surpresa, vejo que a intenção da voz não era cobrar ou
repreender. O chamado era por carinho, intimidade,
proximidade.
Quem me dera chegasse logo o tempo em que fosse
natural atender à voz de Deus, abrir a porta, confiar, descansar, me entregar! Eu sou pequena, vulnerável e tenho medo. Fico
perdendo tempo pensando sobre o mal. Deixo que as más notícias desviem meu
olhar e me façam esquecer o quanto tenho para agradecer. Permito que
pensamentos de ira e indignação invadam meu discurso. No entanto, o convite que
a doce voz me faz é para ter esperança, para crer que um dia, vamos olhar em
volta e ver que o mal já não está mais lá.
Eu me aconchego nas palavras do Salmo, escrevo para
Deus o que sinto e volto a me sentir em casa. Ele está aqui, observando o sono
de minha alma, me chamando suavemente. Ele me chama e eu venho para perto. Neste
dia frio, tudo que minha gatinha mais quer de mim é carinho. Na frieza da dor
de viver, acho que também é isso que minha alma pequena mais quer de Deus.