quarta-feira, 16 de dezembro de 2015


Sem Pressa

Eles se reencontraram hoje de madrugada. Os olhos azuis cheios de brilho viram outra vez os olhos verdes que iluminaram seus dias durante 53 anos aqui na Terra. E agora, juntos outra vez, a vontade maior foi de abraçar. Ele passou os dedos carinhosamente pelos seus cabelos, como costumava fazer. Ela recostou sobre seu peito e deu um suspiro de alívio, o descanso de quem volta pra casa, depois de uma longa viagem. Ficaram ali abraçados, matando a saudade, sem pressa.
Depois, ele a tomou pela mão e levou-a para conhecer o lugar. O primeiro encontro, por tanto tempo esperado, foi com seu Amado Jesus. Ela sorriu o sorriso mais lindo, cheio de emoção ao vê-Lo tão forte, tão bonito, tão cheio de amor e Graça. Eles também se abraçaram como os velhos amigos que sempre foram. Ela que sempre O amou, sem nunca tê-Lo visto. Ele que sempre a amou e cuidou dela, de dentro para fora, morando dentro do seu coração. Ficaram ali, juntinhos, sem precisar de palavras, mas nesse encontro ela pode entender tudo, sem explicações e sem pressa.
Ela foi então reencontrar seus queridos. Abraçou e beijou todos eles, sem pressa.
Ficou na varanda florida conversando com suas irmãs e dando boas gargalhadas, sem pressa nenhuma.
A mesa foi posta e todos comeram juntos. A comida era maravilhosa, feita sem pressa e com carinho, cheia de temperos nunca provados por ela. Beberam vinho sem medo, conversaram depois do almoço, contando histórias e rindo muito. Uma conversa sem fim e sem pressa de ir embora.
Ela agora vai percorrer os jardins, os bosques e os prados. Vai visitar os pintores que sempre admirou. Vai conversar longamente com Bach e dizer a ele como amava sua música. Vai tocar piano, ou órgão de tubos, durante horas e horas, sem pressa de parar para fazer qualquer outra coisa.
Ela vai poder passar muito tempo conversando com os escritores que inspiraram sua vida e vai ficar perto daqueles amigos e irmãos de fé que compartilhavam com ela quando conversavam sobre Deus e as coisas do Céu. Mas agora, será ao vivo, gratos por terem vivido no mundo toda aquela esperança, bem antes de poderem desfrutar de tudo ali e sem pressa.
Uma canção maravilhosa será cantada por um coral harmonioso e todos vão louvar Àquele que venceu e conquistou para Si um povo feliz e redimido de todo o mal. Ninguém vai precisar levantar as mãos ou fechar os olhos porque ali mesmo está Ele, o Alfa e o Ômega, o Cordeiro Bendito de Deus. O louvor vai ser tão lindo que ninguém vai querer ir embora, mas nem vai precisar mesmo. Todo mundo vai louvar sem máscaras e sem pressa.
Assim, de agora em diante, ela vai passar a outra parte de sua vida, sem pressa de ver e viver tudo o que tem pela frente. Isso porque, neste lugar, o tempo foi transformado em eternidade.
É assim que gosto de imaginar o Céu, mas sei que minha imaginação não chega nem perto do que este lugar maravilhoso deve ser. No momento, posso apenas crer e confiar no que Ele prometeu quando disse: “Vou preparar-vos lugar!”


Ô, Mãe!

Talvez lágrimas e palavras escritas sirvam ao mesmo propósito quando passamos por momentos tristes.
Hoje, voltei para casa sem você. Nas outras vezes, eu ficava no hospital até que você estivesse bem, e depois voltávamos juntas para nossa rotina comum de esperar o tempo passar, as forças irem se esvaindo, a memória de tudo ir desaparecendo aos poucos.
Desta vez, tive que deixar seu corpinho frágil, inconscientemente monitorado por máquinas, na solidão de um quarto de UTI. Eu repetia para mim mesma que eu estava preparada para ver você ir embora, mas não queria que você sofresse. Depois de quase 92 anos neste planeta, a pessoa já está com o passaporte carimbado para partir. Isso faz parte da ordem natural das coisas. Vivemos e depois, morremos. Essa é sina de todo ser humano. Mas eu menti. Não estou tão preparada assim.
Estranhamente e mesmo com uma atitude firme, de quem entende o que está para acontecer, desabei em um choro profundo quando voltei para casa sem você. Olhei seu lugar na mesa de jantar, seu quarto, sua cadeira de rodas e me bateu uma saudade muito forte. Na verdade, eu me senti novamente como a menina que fui um dia. Foi como se eu voltasse a ficar atrás da porta, abraçando seu roupão de flanela com flores amarelas e cor de rosa. Eu chorei como aquela garotinha de seis anos, desesperada depois de ver você descer as escadas para ir trabalhar todos os dias. Meu choro era carregado daquele sentimento antigo de abandono e saudade. Eu chorava forte, esperando que você voltasse e ficasse comigo em casa, brincando de casinha. Mas você nunca voltava e, com o tempo, eu saía de detrás da porta e ia viver a vida, vestir o uniforme da escola, brincar, estudar, esquecer. À noite, você sempre voltava trazendo balinhas e isso adoçava ainda mais a alegria de ver você em casa outra vez.
Agora, entendi que não vai haver mais balinhas, geleias, bolo de frutas, ou o piano tocando para acordar a gente no Natal. Não vai haver mais quadros pintados, paninhos bordados, poemas para musicar. Não vai haver mais canções folclóricas ao violão ou hinos ao piano. Mesmo que você volte pra casa, suas palavras já emudeceram; seu ouvido não percebe mais os sons da vida; seus olhos já não enxergam quase nada. Sua imagem está ali, mas você está indo embora aos poucos. Isso é muito difícil de presenciar.
Mãe, eu não sei como lidar com sua partida. Estou fazendo o melhor que posso e me sinto estranha porque chego até a pedir que a hora chegue logo, mas sofro em imaginar o mundo sem você.
Talvez, o maior presente que você tenha dado para mim, nos últimos tempos, tenha sido uma conversa que tivemos. Você perguntou pelo papai, e eu disse que ele estava em um lugar muito bom e que tinha pedido para eu cuidar de você. Então, você olhou para mim e disse: “E você está cuidando mesmo.” Mãe, você não sabe como me senti leve nesse momento. Eu me senti fazendo a coisa certa e me senti feliz porque você, mesmo por um minuto, tomou consciência de que eu estava ao seu lado, cuidando de você.
Não estou fazendo isso hoje, mas oro para que haja anjos em seu quarto, cuidando de você por mim. Ainda ontem, cantei pra você todas as canções que eu conhecia sobre o Céu. Não sei se você ouviu, mas sei que o Céu já faz parte de você há muito tempo.

Eu vou continuar a fazer suas geleias, suas cantatas de Natal, seus paninhos bordados. Eu vou continuar a cantar músicas folclóricas ao violão e hinos ao piano. Toda vez que fizer algo assim, vou trazer você de volta. Não vou ficar atrás da porta. Vou tentar esquecer a saudade, vivendo o que tenho que viver. Mãe, eu não sei o que está reservado para nós duas, mas sou grata pelo que tivemos até aqui. Fique em paz, onde você estiver. Volte em paz para casa, mesmo sem as balinhas. Se a hora chegar, vá em paz, se tiver que partir.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015









As Uvas


O pai plantou uvas para mim, antes de morrer.

Todo ano, perto do Natal, a videira fica cheia de frutos.

Eu colho os cachos, um a um, mas tenho o cuidado de 

deixar alguns para os passarinhos, como ele fazia.

Depois, tiro fotos para conferir um pouco de eternidade ao 

momento.

Eu provo as uvas docinhas do pé e aí, agradeço a Deus 

pelas uvas, pelos passarinhos, pelo pai que tive e pela 

eternidade.


Assim, tudo se torna eterno nas fotos e dentro de mim.